Quarta, 5 Outubro 2011 às 23:04
Este excerto aqui publicado corresponde à minha participação numa desgarrada, uma história escrita a várias mãos. Aos interessados em conhecer as restantes participações, poderão solicitar-me que eu facultarei links com a devida autorização das autoras... 
Parámos em frente ao Les Jardins Du Marais Hotel, o local que lhe tinha sussurrado ao ouvido quando manifestei o meu desejo de jantar no quarto.
Dirigimo-nos para a entrada quando um apito insistente de uma buzina me chamou à terra.
O som estridente provinha da motoreta que parava mesmo atrás de nós, da qual, nada mais nada menos que Cris nos acenava agitadamente com uma mão, enquanto com a outra retirava o capacete para libertar a sua longa cabeleira loura.
Alegremente e de braços estendidos, alcançou-nos a passos rápidos para me envolver num abraço apertado.
Cris recuou um pouco a cabeça, para me fixar os olhos, e sem me dar tempo de articular qualquer palavra, presenteou-me com um profundo e intenso beijo na boca, enquanto com a ponta dos dedos da mão livre do capacete, segurava uma madeixa do meu cabelo, entrelaçando-os e brincando, num gesto singelo que dela tão bem conheço. Beijo que retribuo instintivamente, permitindo que as nossas línguas se envolvam, esquecendo-me por momentos de onde estava.
- Bem!!!... Não te posso deixar 5 minutos sozinha em Paris que tu não perdes tempo e tratas logo de arranjar companhia… - exclamou Cris fixando alegremente o meu Don Juan especado sem conseguir fechar a boca entreaberta pelo espanto, mas voltando logo de seguida um olhar indagador e simultaneamente repreensivo na minha direcção.
Ainda atordoada fiz um esforço por me recompor.
- Desculpa… Cris? Apresento-te … herrrhh… Juan Belmonte, um amigo. Juan, esta é a Cris, a minha amiga do telefonema de há pouco… já não nos víamos há algum tempo…
- Hummm!... Amigo, hein? E nem me avisaste que ias trazer companhia para o jantar?
- Não, Cris… Nada disso, apenas… apenas surgiu um imprevisto…e… o Juan ofereceu-se para me mostrar as vistas nos arredores enquanto me acompanhasse ao hotel… Juan! Gostaria de se juntar a nós? Estávamos a pensar experimentar o requinte do Ópera Bastille… - respondi atabalhoadamente e sem grande convicção. Ambas, voltamos olhares expectantes na direcção do meu Don Juan.
- Pois… Lamento imenso, minha querida, mas deverá ficar para outra altura. Suponho que vocês terão muita conversa para pôr em dia, seria indelicado da minha parte impor a minha presença…
- Disparate! Claro que não nos vamos importar que nos acompanhe numa refeição! Pois não, Cris?
Cris limitava-se a sorrir, percorrendo Juan de alto abaixo num olhar de quem prestava avaliação.
- Cris??
Fixei-a insistentemente e nada.
- Agradeço o convite, mas permita-me que o decline. - retorquiu para minha decepção - Apenas pretendi retribuir o favor pessoal que me prestou à pouco, julgando erradamente que a estaria a salvar de um compromisso igualmente chato… Não irei tomar mais o seu tempo…
Ainda contrariada, abri a carteira para retirar uma caneta, dei dois passos na sua direcção para lhe pegar num dos braços pela mão. Puxei o punho da camisa de linho ligeiramente para cima e voltando o braço escrevi duas palavras: suite 223.
Despedi-me com um beijo perto do ouvido onde sussurrei:
- Foi um prazer!... Espero voltar a vê-lo…
- O prazer foi todo meu, Judite…
E afastou-se rapidamente ignorando completamente Cris.
De novo sentada, pedimos de jantar enquanto tagarelávamos com entusiasmo. Fazia uns dois anos que não nos víamos…
Envolvidas por uma decoração requintada, com mobiliário assinado por Philippe Stark, e compridas banquetas de veludo em vermelho bordeaux, o toque final era dado pela iluminação num ambiente velado proporcionado pelos lustres Big Diamond de Renée Vendrig.
- Hummm! Parece-me que alguém ficou com os planos para hoje à noite estragados…
Sorri enquanto abanei a cabeça.
- Que nada, Cris! Já sabes como eu sou, deixo-me levar pelos sentidos e esta cidade tem um efeito devassador sobre mim… Se sinto um ímpeto arrebatador deixo-me levar e vou atrás dele… Mas acabaste por me fazer favor, até porque os únicos planos que me posso permitir para hoje à noite são os de me deitar cedinho para amanhã levantar-me com a cabeça bem fresca para a conferência.
Cris deu uma gargalhada.
- Ah ah ah ah! Conheço bem, esses teus ímpetos!... – piscou-me o olho - Mas tu, Ju!... Não mudaste mesmo nadinha!... e não me refiro só a esse corpinho de sereia…
Provocadora, Cris devorava-me literalmente, percorrendo o meu corpo com seus olhos de gulosa, dançando entre o meu decote profundo e os meus lábios quentes, que pareciam tomar conta dela.
- Vá, Ju. Não fiques com essa carinha de desanimada. Liga-lhe e propõe-lhe que venha ter contigo para a sobremesa. Eu ia convidar-te para uma festinha tardia lá em casa, só para mulheres, Charlotte e Sophie vão lá estar e estão ansiosas por te conhecer. - Cris piscou-me novamente o olho.
- Ai Cris, tu e as tuas festas… Adorava mas não posso. Preciso ainda de rever uns apontamentos para a palestra que vou dar. E nem que quisesse poderia ligar-lhe pois não fiquei com o número dele…
- Mau! Não tens o número dele? Nem nenhum contacto? De onde desencantaste tu este personagem, Judite Maria?
Perante a minha hesitação, Cris repreendeu-me suavemente…
- Deverias tomar mais cuidado, Ju… O Professor Dr. João Campos vai estar presente na Cimeira onde tu também vais participar. Correm rumores de que ele fez uma grande descoberta que irá abalar a economia das actuais grandes potências. Se isso tiver fundamento, ele estará a ser considerado um alvo a abater. E tu como ex-mulher dele também poderás estar sob perigo.
Pedimos o pato com mel e limão, acompanhado por batatas a murro, cogumelos e espargos salteados. Na companhia de um Chardonnay de 2003, deliciamo-nos com os prazeres da degustação, enquanto os meus pensamentos voavam por outros prazeres, paralelamente à nossa tête-à-tête.
As festas da Cris… este pensamento faz-me retornar aos nossos tempos de faculdade, as paredes daquele apartamento que partilhámos.
Estremeço, enquanto um formigueiro me sobe pelas pernas e faz com que me contorça levemente, e me humedeça, só por recordar… Concentro-me no movimento dos lábios deliciosos da Cris e deixo-me transportar…
Com a Cris enveredei pelos caminhos da sexualidade explorada no feminino, conheci a paixão e o amor clandestino, o amor entre mulheres.
Com a Cris aprendi que os homens fazem amor com o corpo, mas as mulheres fazem amor com a alma, jamais se igualam.
A pele de uma mulher é sedosa, macia, pede para ser tocada, cheirada, acariciada, explorada…
Saborear o beijo de uma mulher quente, sedutora e sexualmente activa faz-nos esquecer quaisquer receios.
Sentimo-nos de igual para igual sem nos preocuparmos com o que ela possa pensar de nós, se agradamos fisicamente, se o nosso desempenho estará à altura, porque é algo que se sente de dentro…
O vibrar do corpo dessa mulher faz-nos também vibrar e desejar prolongar essa vibração.
Mais do que nos entregar o seu corpo ela entrega-nos a sua sedução.
Uma mulher louca pelo desejo faz-nos desejar que o tempo pare e que possamos sentir-nos vivas, com desejo, excitação, loucura, muita loucura, enquanto buscamos aquilo que mais ansiamos, o prazer.
Ter uma mulher a meu lado que me envolva com o seu beijo, que me toque com desejo, que me provoque com o seu olhar e me proporcione momentos intensos de prazer, que se entregue a mim por completo, sem receios, com desejos como os meus, é o alcance do prazer sublime.
Foram tempos de loucura, de festas privadas, festas só para mulheres, que eventualmente terminavam em longas orgias pela noite dentro, de corpos enrolados, suados e humedecidos, em longas trocas de beijos e carícias, onde tudo valia… Por vezes também convidávamos rapazes, mas aí eles funcionavam como acessórios para os nossos jogos de prazer.
De regresso às nossas terras natais tudo mudou.
Por um lado a distância física que nos apartou, por outro lado o ter que enfrentar a família, a Cris era forte e determinada, assumindo as suas opções em pleno, contra tudo e contra todos, já eu… sou impulsiva, sou apaixonada, sou louca, mas estou longe de ser corajosa como ela.
Além de que não consigo passar sem a energia e o calor de um bom corpo masculino, que me faça tremer o chão, duma voz masculina que soe como música nos meus ouvidos, do conforto de um abraço forte, da segurança de umas mãos másculas, do desejo espelhado no olhar de um homem, mas acima de tudo do vigor de um membro que me faça vibrar e explodir de prazer e volúpia, e me renda à minha fraqueza, e reclame a minha entrega incondicional.
Assim, seguimos caminhos diferentes. Eu dediquei-me à minha carreira na área da investigação. Passei por um casamento de curta duração tal como todas as outras relações que fui tendo ao longo da vida. Salto de paixão em paixão, tenho dificuldade em fixar-me quer emocionalmente quer geograficamente, e muito embora seja acometida de desejos de parar, de fugir, de encontrar o amor da minha vida, a única relação duradoura que consegui ter é mesmo a que mantenho com o trabalho.
Já a Cris, igualmente dedicada à carreira, empresária de sucesso, proprietária de uma empresa de outsourcing com escritórios implantados nas principais cidades da Europa, é especialista em gerir o seu tempo, entre o trabalho e a vida pessoal.
Junta com a companheira Daniela, assumiu um novo papel para si, o de mãe. De comum acordo, com um amigo comum, Cris foi inseminada artificialmente dando à luz a filha, a Maria.
Mais tarde o pai biológico reclamou os direitos de paternidade e a custódia exclusiva da criança, processo que perdeu em tribunal, tendo sido provada a validade da declaração prévia que teria assinado, abdicando desses mesmos direitos.
Um dia, Maria desapareceu do infantário. Na mesma altura o pai biológico terá partido numa viagem de negócios com destino para parte incerta. A polícia foi posta no encalço dos dois, mas não mais foram encontrados.
Não conheço ninguém com a coragem da Cris, que nunca cedeu ou perdeu a esperança de voltar a encontrar Maria, gastando fortunas em detectives privados ao longo destes anos, nem mesmo quando a Daniela não suportou mais o sofrimento e deixou a relação, vindo mais tarde a casar-se com um homem.
Foi neste momento que vi uma sombra descer sobre os olhos de Cris ao verificar que tinha uma chamada no telemóvel que não terá atendido, levantando-se para se afastar do burburinho do restaurante para devolver a chamada.
Quando regressou, estava branca e ansiosa. Tinha acabado de receber uma chamada do mais recente detective contratado, o qual teria informações novas e urgentes para lhe dar.
Sem mais delongas, pegou nos objectos pessoais e precipitou-se porta fora, sem ver mais nada à frente, indo ao encontro com o agente.
De regresso ao quarto do hotel assustei-me com o forte dispositivo policial que vigiava a recepção e os corredores.
Apercebi-me que ninguém entraria ou sairia do hotel sem ser rigorosamente revistado. Eu própria fui abordada e tive que apresentar a minha identificação. Até a minha bagagem foi verificada antes de ser levada para o quarto.
Questionei um funcionário do hotel que me respondeu que apenas tinha conhecimento que tinha a haver com a permanência no hotel de uma alta personalidade mas mais do que isso não sabia.
Recordei-me da referência que Cris fez ao boato sobre a eventual revelação que o Professor Dr. João Campos iria fazer na Cimeira.
Sei que a palestra que ele irá dar se intitula “Energias Renováveis – Uma necessidade”.
Já há algum tempo que estou afastada do trabalho do meu ex-marido.
Lembro-me que o último trabalho de investigação dele que lhe conheci envolvia aceleradores de partículas, equipamentos nos quais ele era fascinado.
Inclusive terá participado no projecto de construção do LHC, o maior acelerador de partículas do mundo, da propriedade do CERN.
Terá ele descoberto alguma fonte de energia alternativa super-económica ou mesmo ilimitada?
Estaria ele realmente a ser ameaçado?
Após um longo e demorado duche quente, vesti um roupão de banho.
Com o cabelo ainda por secar, espalhei o meu material e apontamentos por cima da cama, procurando concentrar-me na palestra que iria dar no dia seguinte.
Tarefa praticamente impossível pois sentia-me atordoada, com a cabeça a andar à roda entre a minha preocupação com a Cris e a revisão mental dos acontecimentos do final deste dia.
Voltaria a ver Juan?
As palavras dele “- Sei tudo o que há para saber sobre ti!” ecoaram-me e fizeram-me voltar a sentir o mesmo arrepio descer-me a espinha.
Fiz um esforço para recordar o sabor dos seus beijos, o vacilar do chão e de novo estremeci.
Revi-me mentalmente no interior do táxi que nos transportou até ao hotel, e deixei que a volúpia de novo tomasse conta de mim.
Mordo ligeiramente o lábio inferior enquanto cedo a uma vontade irresistível de me tocar, de me entregar a um prazer solitário, imaginando nas minhas mãos as suas mãos ávidas de mim, percorrendo o meu corpo, explorando cada curva, cada reentrância.
Fecho os olhos, enquanto desço com as mãos, permito-me que me estimulem num movimento cadenciado.
Gemo baixinho enquanto a minha respiração acelera, imaginando o seu desejo, duro e possante desejo, que eu mesma tive nas mãos, imaginando-o dentro de mim, possuindo-me e submetendo-me à sua vontade de me fazer dele.
Levo o meu sabor nos meus dedos à boca, mordo-os, sugo-os… imagino o sabor dele misturado com o meu, encaminho-me a toda a velocidade para o êxtase…
Nisto batem à porta.
“- Mas que p…!... “.
Sobressalto-me!...
Num ápice vem-me à ideia tudo o que a Cris falou, todo o aparato policial à entrada do hotel.
Com o coração a bater mas por outras razões, exclamo em voz alta, enquanto me recomponho:
- Attendez un moment!
A medo, respiro fundo e abro a porta, apenas o suficiente para a entreabrir ligeiramente.
No corredor encontrava-se um homem de fato e gravata aprumados, possivelmente funcionário do hotel, segurando o que parecia ser um embrulho enorme, numa caixa redonda envolta em papel negro e sedoso, preso por um grande laçarote, e acompanhado por outro homem bastante alto e encorpado que aparentava ser um segurança.
- Mademoiselle Judite?
- Oui, c’est moi…
- Permita que me apresente. O meu nome é Marcel Dumont, sou o gerente deste hotel. - dirigiu-se num português correcto. – Alguém deixou este embrulho na recepção com instruções para que fosse entregue pessoalmente a si e só a si. Estava à espera de alguma encomenda?
Surpreendida, abano a cabeço.
- Não… não estava à espera de nenhuma encomenda…
De sobrolho erguido e com um semblante sério, ambos trocam um olhar carrancudo.
- Nem tem ideia de quem possa ter tido intenções de lhe oferecer um presente?
Fixo o embrulho com alguma hesitação e encolho os ombros, abanando ligeiramente a cabeça.
- Não faço a mais pequena ideia…
Observo de novo a troca de olhares.
O gerente pigarreou um pouco antes de prosseguir.
- Por questões de segurança vamos ter que revistar o conteúdo do seu embrulho. Ninguém poderá entrar ou mesmo sair do hotel sem estar devidamente identificado e autorizado. Temos ordens para revistar todas as bagagens como já deve ter sido informada, isso inclui todo o tipo de embalagens recepcionadas.
- Mas aconteceu alguma coisa? Receberam alguma ameaça? – perguntei apreensiva.
- Está tudo bem, mademoiselle. Não aconteceu nada e não tem com que se preocupar. Trata-se apenas do protocolo de segurança e protecção que seguimos quando temos a honra de hospedar uma ilustre personalidade, cujo nome como deve compreender não posso revelar. Podemos entrar?
- Naturalmente… - assenti – Façam o favor…
Abri a porta para trás, encaminhei-os para uma alcova suplementar, a qual proporcionava um espaço agradável de trabalho, concebido por uma elegante decoração em Art Déco, indicando-lhes uma pequena secretária aí instalada.
Agradecendo amavelmente, os homens entraram, e pousando o volumoso embrulho procederam à sua revista.
Sob a supervisão do gerente do hotel, e vestindo umas luvas, o segurança tratou de libertar o embrulho do laço, removendo cautelosamente a tampa para inspeccionar o seu conteúdo.
Por momentos pensei que fosse sair dali uma bomba, mas perante os sorrisinhos que verifiquei trocarem, calculei que não fosse esse o presente que me teriam remetido.
- Está tudo em ordem. Pedimos desculpa pelo incómodo. – informou-me o gerente, após o qual se apressaram em abandonar o quarto, não sem voltarem a trocar os mesmos sorrisinhos cúmplices emitidos à pouco.
Sem perceber nada, aproximei-me da caixa, espreitando com extrema curiosidade para o seu interior.
Dentro encontrava-se um vestido de noite em veludo negro e respectivos acessórios, como sapatos e malinha de mão a condizer, e uma pequena caixa também ela de veludo que aparentaria conter jóias.
Perfeitamente surpreendida, retirei-os da caixa e verifiquei que correspondiam aos meus tamanhos sem margem de erro.
Algo mais se encontrava no fundo da caixa.
Perante o meu fascínio retirei uma lindíssima… máscara de Veneza.
Fiquei a admirar a fabulosa peça de arte, dourada, toda trabalhada, com aplicações de pequenos cristais na orla e um maior no topo, também eles sob tons dourados, e ornamentada com belíssimas longas penas negras…
Ao voltar a máscara apercebi-me de um cartão que caiu do seu interior para o chão.
Baixei-me para o apanhar…
(por mulher-loba)
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